Era um simples quintal. Espaço frequentado por mim desde a tenra infância. Nem sempre visto. Chegava de vez em quando sozinho e apenas me deparava com o espaço. Vazio. Cercado de verdes flamujantes e brisa quente do subúrbio. Outras vezes, seguia os passos de minha vó para vê-la lavar as roupas no tanque de concreto, com suas mãos enjilhadas debaixo d'água fria. Acreditava ser dela um ajudante para dependurar as vestes no varal. Ela sabia valorizar esse quase ritual cotidiano com singular maestria. Cresci acreditando. Momentos e metas foram surgindo e os caminhos já não levavam mais para o quintal. A visita resumia-se num patético compromisso social: sua bênção, vó. Queria voar. Perdidamente em estranhos ninhos. E o quintal lá permanecia. Com os mesmos verdes; brisas e o tanque de concreto.
O tempo trota impiedosamente. Além do dorso da mão; o rosto datava as décadas de vida. Elevava-se cada vez mais a voz para cumprir aquele estéril compromisso. As suas pernas não me levavam mais para o quintal; mas o seu olhar para o reencontro do verdadeiro ninho. Mesmo, infelizmente, rareando as visitas, quando possível, pousava no ninho.
O ninho encolhia-se inexoravelmente a cada segundo. Os pés teimavam com a mente. Os olhos; com a visão. No reencontro, bastava um abraço. A quota de carinho recheada de estórias (por vezes deliciosamente repetidas) era o alpiste que me alimentava. Voava porque me alimentava. Retornava ao ninho não para de novo voar; mas sim para nutrir-me.
Somos mais do que números de série ou uma definição nominal. Somos história. Não há como seguir sem o ato de planejá-lo. Vejo e ouço minha vó não só naquele quintal. Sinto-a dentro de mim; no ninho aqui dentro plantado, que eu possa sentir em qualquer lugar.
O destino é opcional; o quintal, não.
2 comentários:
Que lindo, meu amor, chorei! Sua vózinha ficaria feliz e orgulhosa lendo esse texto lindo. Te amo, meu poeta!
Relendo hoje e me emocionando da mesma forma. Saudades da sua avó Margarida, que gentilmente me chamava de "minha neta".
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